domingo, 3 de março de 2013

Por que os homens mentem?


Outro dia uma moça me perguntou, no meio de uma festa, por que os homens “mentem tanto”. Achei a pergunta agressiva, mas resolvi discutir com ela da forma mais objetiva possível, para entender.
Pedi que ela me contasse sobre a mentira que a incomodava, e a resposta veio na forma de uma história bastante comum: no começo, o sujeito fala e se comporta como um homem totalmente apaixonado. Uma semana depois, ele nem atende mais o telefone. “É isso que eu chamo de mentira”, ela resumiu.
A moça estava obviamente ferida, e tinha suas razões. Na história dela, do ponto de vista dela, houve uma mentira. Ela acreditou em sentimentos que não existiam ou que deixaram de existir em tempo recorde. Tinha o direito de estar indignada.
Admitido esse fato, a situação que ela conta tem nuances – e essas merecem ser discutidas tanto quando a suposta vocação masculina para a mentira, que eu acho um tema pertinente na relação entre homens e mulheres.
Quando se considera a distorção amorosa, é possível que a moça não tenha sido assim tão enganada. Ela pode ter levado uma cantada banal e recebido um grau de atenção protocolar, mas, movida pelos seus próprios sentimentos, acreditou estar sendo intensamente cortejada. É muito comum que, nessas situações, a pessoa que se sente enganada apresente como “evidências” frases e atitudes do outro que, vistas por alguém de fora, não pareçam evidência de coisa alguma além de um triste auto-engano. Essas coisas acontecem.A primeira nuance no caso da moça é adistorção amorosa.

Esse é o nome que eu dou ao estado de confusão mental em que a gente se encontra quando está muito interessado por alguém. Basta a pessoa nos olhar, basta falar conosco para que a gente acredite – com todas as forças, e nenhuma justificativa – que nossos sentimentos são correspondidos. É patético, mas é humano. A gente deseja tanto que enxerga apenas aquilo que quer ver.

Outra nuance importante na história da moça diz respeito ao papel de homens e mulheres no jogo de sedução.
As mulheres ainda não são responsáveis por tomar a iniciativa. Muitas fazem isso, mas, normalmente, ainda cabe aos homens o ônus de vencer a própria timidez e avançar com elegância os vários sinais colocados entre ele e o seu desejo. As meninas ficam lá, lindas e passivas, enquanto os caras se empenham em parecer engraçados, inteligentes, sensuais... Não pensem que é fácil.
É natural que quem está nessa posição de vendedor de si mesmo fale demais. E nem sempre diga a verdade. Cada sujeito que está por aí já descobriu, em algum momento da vida, qual é o papo dele que cola com as mulheres. Para alguns, será aquela conversa agressiva de macho questionador e indiferente, que deixa as garotas inseguras. Para outros, funciona uma postura mais contida, quase tímida, que demonstra os sentimentos menos pelas palavras e mais pelos olhares.
Há tipos diferentes de atitudes masculinas de sedução, mas a mais comum costuma ser o ataque direto e sem tréguas ao ego da moça. O cara diz que ela é a mais linda do mundo. Jura que quando olhou para ela percebeu que o tempo tinha parado. Sugere, de todas as formas possíveis, que se ficar com ela será o homem mais feliz do planeta. Às vezes o sujeito garante, meia hora depois de conhecer a moça, que ela é a mulher da vida dele. Oferece, nas palavras imortais de um amigo meu, “casa, comida & roupa lavada”.

Que mulher resiste a esse tipo de avalanche? Mas, ao mesmo tempo, que mulher com mais de 20 anos não sabe que esses exageros não passam de fogos de artifício?

Esse é o contexto, eu acho, para localizar a queixa da moça no mundo real.

No dia em que as mulheres tiverem de assumir o papel dos homens no jogo da conquista, talvez descubram que não é fácil ser ao mesmo tempo sedutor e verdadeiro. Talvez elas percebam que é muito difícil, para a maioria dos seres humanos, evitar dizer coisas que o outro deseja ouvir. Precisa ter muito integridade para estar carente diante de uma mulher bonita e não usar as palavras que provavelmente o levarão para dentro do quarto dela – mesmo sabendo, lá no fundo, que você talvez não devesse.

Os homens sabem que as mulheres costumam ser mais sentimentais do que eles e (até inconscientemente), procuram agradá-las. Depois somem, muitas vezes por vergonha. As mulheres, do lado delas, sabem que os caras têm urgência em transar e, às vezes, fingem ser mais safadas e menos românticas do que realmente são. No dia seguinte, sentem vergonha ou cobram do sujeito atenções que não estavam no contrato invisível firmado na noite anterior.

Para evitar esses desencontros, melhor seria tratar as coisas pelos seus verdadeiros nomes.
Um homem que está com tesão não deveria esconder o seu desejo por trás de uma embalagem de romantismo. As mulheres, ouvindo a verdade, poderiam escolher se querem ou não – e muitas diriam sim, porque sexo desencanado também é bom. Num mundo assim, menos mulheres se sentiriam enganadas e um número menor de caras faria papel de mentiroso. E a moça da festa talvez não estivesse com tanta raiva.
 
(Ivan Martins)

A força do acaso


Tem gente que acredita em destino. Eu acredito que é o acaso quem rege a nossa existência de forma quase absoluta. 
Penso no encontro acidental dos nossos pais, no desejo que poderia não ter surgido entre eles, no espermatozóide que chegou à frente de milhões de outros na corrida mais importante das nossas vidas. Quanto disso foi planejado? Nada, assim como costumam ser acidentais os nossos próprios encontros amorosos, a concepção dos nossos filhos e as circunstâncias imprevistas que nos levam a fazer amigos importantes, escolher carreira e definir a cidade onde iremos morar. 
O imprevisto invade a nossa vida enquanto no debruçamos cheios de planos sobre o calendário do ano que vem. 
Acho o acaso tão importante que defendo que ele deveria ser incorporado aos nossos critérios de eleição afetiva. Não adianta observar os candidatos a parceiros apenas em situações controladas, como se o amor fosse um experimento de laboratório. Se o sujeito a convidou para jantar, teve três dias para arranjar as coisas e aparece (cheiroso e bem vestido) com uma rosa vermelha e reservas para o bistrô mais concorrido da cidade, ponto para ele por Organização & Método – mas isso não deveria encerrar o período de observação. 
Para saber quem realmente é o cara, melhor seria estar com ele na noite em que o pneu do carro furasse na Marginal. Ele respira fundo, sorri para você e desce para resolver o assunto ou, tudo ao contrário, se põe a dizer palavrões em voz baixa e reclamar que não deveria ter saído de casa – culpando você, indiretamente, pelo contratempo? 
Qualquer mulher pode ser encantadora num fim de semana de outono no Rio de Janeiro em que não haja uma brisa fora de lugar, mas como ela reage quando a companhia aérea perde as malas e vocês ficam com a roupa do corpo em Buenos Aires, num frio de 11 graus? Eu gostaria de saber essas coisas antes de me apaixonar.  
Se o futuro pudesse ser desenhado numa planilha Excel, o melhor a fazer por si mesmo seria conquistar a analista de sistemas mais atraente da empresa e fazer dela a mulher da sua vida, mas nós sabemos que as coisas não são tão simples. Num mundo dominado pelo acaso, é importante ter ao seu lado alguém capaz de lidar com os imprevistos e as frustrações, porque eles vão se repetir o tempo inteiro. Planejar não é suficiente para ser feliz.  
Quando o inesperado se intromete e atrapalha os nossos planos, então testamos o nosso temperamento e o de quem nos acompanha – além de uma coisinha de enorme importância chamada compatibilidade.  
Sexta-feira passada eu tentei ir à praia. Reservei pousada, abasteci o carro e caí na estrada com a mulher, no horário em que o trânsito arrefece em São Paulo. Tudo planejado. Quatro horas depois, estava no pé da Serra do Mar metido no maior congestionamento da minha vida, com a chuva caindo torrencialmente, água subindo e o rádio contando histórias de morte e quedas de barreira. Depois de momentos de quase pânico, decidimos sair da estrada e procurar refúgio em Cubatão, uma das cidades menos turísticas do mundo ocidental. 
Rodamos pelas ruas semi-alagadas e desertas, batendo à porta dos poucos hotéis, todos muito simples e totalmente tomados pelos refugiados da estrada. Ao final, fomos acolhidos no Lopes, que fica em frente à delegacia da cidade. De início não havia vagas, mas permitiram gentilmente que passássemos a noite no sofá da recepção, protegidos da chuva, das enchentes e dos ladrões que agem nos congestionamentos. Nas circunstâncias, estava ótimo. Duas horas depois, surgiu algo ainda melhor – um sujeito que alugara a suíte do Lopes para uma farra na madrugada não apareceu, e nós herdamos as acomodações. Com sauna, hidromassagem, TV a cabo e meio ar condicionado. Um luxo. 
Ali passamos um longo fim de semana. Houve passeios a pé, compras no comércio alagado da cidade, pizza de brócolis com catupiry e uma sessão de cinema no complexo do Parque Anilina. Vimos o novo filme do Bruce Willis, dublado. Eu gostei, minha mulher disse que não iria comentar. Voltamos a São Paulo às 6 da manhã de domingo, quando a estrada reabriu. Nós havíamos sobrevivido, e o casamento também.


Eu consigo pensar em meia dúzia de mulheres com quem essa mesma situação teria virado um pesadelo. Posso ver uma delas reclamando e me recriminando até que eu perdesse a cabeça e fosse parar algemado na delegacia em frente ao hotel, depois de um acesso de loucura. Sou capaz de enxergar uma outra, sentada à beira da cama, empurrando para trás os cabelões e dizendo para a amiga no celular: “Cubatão, você acredita? Cubatão... Não, o carro dele não passa na enchente. Lembra que ele acha os jipões ridículos? Pois é”. Essa conversa não aconteceria dessa forma porque não houve sinal da TIM em Cubatão no fim de semana, mas a cena é totalmente plausível.



Não estou aqui fazendo críticas a certos tipos de pessoas. Acho, na verdade, que a culpa pelo clima detestável que se cria durante as crises não é de cada uma das partes, mas da interação ruim entre elas, a tal da compatibilidade. Diante do mesmo perrengue, mas em outra companhia, a pessoa funcionaria bem. É uma questão de quantidade de afeto e de respeito, claro, mas é também uma questão de afinidade. Se os modos do outro o irritam normalmente, isso não vai melhorar sob a pressão de uma crise. Quando a crise acontece, portanto, é um bom momento para observar seus sentimentos: você tem vontade de proteger o outro, fica feliz por ele estar ali, ou gostaria, do fundo do coração, que ele e o seu jeito professoral desaparecessem e você pudesse chamar um amigo querido? É importante saber.



Da minha parte, fico feliz por ter passado pelo teste de Cubatão. Ela reforçou minha convicção de que a vida, embora tenha de ser planejada no dia a dia, é, essencialmente, algo sobre o qual eu não tenho controle. Só posso me assegurar, precariamente, que quando o acaso tomar as rédeas eu tenha ao meu lado alguém capaz de rir comigo, de me dar conforto e de oferecer aquilo que homens e mulheres têm oferecido uns aos outros por milhares de anos – uma pequena chama de afeto capaz de iluminar os nossos corações cheios de medo e de aflição.

(Ivan Martins - Colunista Revista Época)