sábado, 31 de agosto de 2013

Palavra 'afinidade'


"Minha amiga saiu com um grupo de amigos e foi a uma manifestação que tinha por objetivo protestar contra a violência policial. A chance estatística de esbarrar numa alma gêmea nessa circunstância é maior que numa pista de dança no Itaim. Na manifestação, as pessoas compartilham valores e estão ligadas, ao menos momentaneamente, por sentimentos comuns. Na balada o lance é outro: depois de beber e dançar, a maior parte dos seres humanos está biologicamente inclinada a fazer sexo, não a procurar um grande amor. 

Podemos dizer que na passeata, entre amigos, a seleção é feita por atração e afinidades, enquanto na noite, depois de três cervejas, os critérios são atração e disponibilidade. Afinidades têm o potencial de ligar as pessoas de maneira duradoura, enquanto a disponibilidade ajuda a fazer ligações diretas. Não há nada de errado – ou intrinsecamente certo – em nenhuma das duas, mas elas raramente conduzem ao mesmo tipo de resultado.   


Afinidade torna-se essencial. Você e eu somos capazes de tolerar gente com opiniões radicalmente diferentes das nossas, desde que elas mantenham alguma distância física. Mas, na nossa sala, na nossa cozinha, na nossa cama, não dá. De quem beija a nossa boca tendemos a exigir um grau elevado de cumplicidade. 

Se, depois de meia hora dançando, o bonitão da Vila Olímpia defender a repressão policial contra manifestantes ou a necessidade de bater em homens gays, você tem o direito constitucional de sair correndo e pedir um táxi. 


Num mundo cercado de incertezas, não há filtro melhor do que os amigos dos amigos. Redes humanas garantem procedência, produzem informação qualificada e funcionam como selo de qualidade. Evitam que a gente se envolva com entidades desconhecidas ou totalmente dissonantes. Uma simples olhada nos amigos conta uma enormidade sobre quem a pessoa é, o que ela faz e o que pensa. Isso não garante o futuro, mas oferece a chance de um bom começo. 

Nosso anseio por autonomia tornou impossível delegar a qualquer grupo ou instituição a responsabilidade por nossa vida sentimental. Somos românticos, somos responsáveis por nós mesmos. Mas talvez pudéssemos rever nossos critérios de busca. Se você não encontra um cara ou uma mulher legal na balada, tente um lugar onde possa fazer novos amigos. Você pode não achar o seu grande amor entre eles, mas é provável que evite outra roubada."

(Texto de Ivan Martins)


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