"Minha amiga saiu com um grupo de amigos e foi a uma
manifestação que tinha por objetivo protestar contra a violência policial. A
chance estatística de esbarrar numa alma gêmea nessa circunstância é maior que
numa pista de dança no Itaim. Na manifestação, as pessoas compartilham valores
e estão ligadas, ao menos momentaneamente, por sentimentos comuns. Na balada o
lance é outro: depois de beber e dançar, a maior parte dos seres humanos está
biologicamente inclinada a fazer sexo, não a procurar um grande amor.
Podemos dizer que na passeata, entre amigos, a seleção é feita por atração e
afinidades, enquanto na noite, depois de três cervejas, os critérios são
atração e disponibilidade. Afinidades têm o potencial de ligar as pessoas de
maneira duradoura, enquanto a disponibilidade ajuda a fazer ligações diretas.
Não há nada de errado – ou intrinsecamente certo – em nenhuma das duas, mas
elas raramente conduzem ao mesmo tipo de resultado.
Afinidade torna-se essencial. Você e eu somos capazes de
tolerar gente com opiniões radicalmente diferentes das nossas, desde que elas
mantenham alguma distância física. Mas, na nossa sala, na nossa cozinha, na
nossa cama, não dá. De quem beija a nossa boca tendemos a exigir um grau
elevado de cumplicidade.
Se, depois de meia hora dançando, o bonitão da Vila Olímpia defender a
repressão policial contra manifestantes ou a necessidade de bater em homens
gays, você tem o direito constitucional de sair correndo e pedir um táxi.
Num mundo cercado de incertezas, não há filtro melhor do
que os amigos dos amigos. Redes humanas garantem procedência, produzem
informação qualificada e funcionam como selo de qualidade. Evitam que a gente
se envolva com entidades desconhecidas ou totalmente dissonantes. Uma simples olhada
nos amigos conta uma enormidade sobre quem a pessoa é, o que ela faz e o que
pensa. Isso não garante o futuro, mas oferece a chance de um bom começo.
Nosso anseio por autonomia tornou impossível delegar a
qualquer grupo ou instituição a responsabilidade por nossa vida sentimental.
Somos românticos, somos responsáveis por nós mesmos. Mas talvez pudéssemos
rever nossos critérios de busca. Se você não encontra um cara ou uma mulher
legal na balada, tente um lugar onde possa fazer novos amigos. Você pode não
achar o seu grande amor entre eles, mas é provável que evite outra
roubada."
(Texto de Ivan
Martins)
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